A tua posição



Uma habitação para o que tem dinheiro e uma habitação para o pobre,
um meio de transporte para o que tem crédito e outro para o que não pode ter,
uma assistência de saúde para quem pode pagar e um serviço de saúde para quem não pode,
um lixo televisivo para o contribuinte e revistas de viagens para o engravatado,
um ambiente suburbano para os miúdos do colégio e um ruído de fundo para a pobreza,
uma alimentação para o rico e uma alimentação para o descamisado,
uma formação para o desempregado e um emprego para o formador,
um empréstimo para a ostentação e uma negação para a lástima,
um peditório para o distribuidor de dívidas e um pagamento para o despojado,
um boa educação para a gente de boas famílias e uma má educação para os malandros e desempregados que não querem trabalhar,
um futuro para quem pode e um presente para quem o carrega,
um seguro de vida para o investidor e uma vida insegura para o perdedor,
uma corridinha para quem faz que trabalha e um descansinho para quem se cansa a trabalhar,
um horário compatível com a luz do sol e um horário incomportável com viver,


milhões de sonhos destruídos em dias consumidos na labuta,
a trabalhar para aquecer para enriquecer outros filhos,
a perder tempo a dispender energias sem vencimento,
a ver o poder de compra a perder-se e a perder-se tanta luta
em energia desperdiçada em gente amarrada às dívidas
da casa, da luz, do gás, do méu que não é teu, do carro que te come
e se ficares doente ainda vais parar ao hospital e levas uma multa
chamada taxa moderadora que tens de pagar, para moderar a fala e o juizinho,
que o juizinho é muito lindo e é por ele que consegues ser alguém...
tanta força mal empregada, tantos braços a produzir nada,
tanta raiva mal direccionada, tantos assaltos às pessoas erradas,
tanto dinheiro gasto em dependências, medicações e demências,
investida tanta cheta em futebóis e conversas da treta,
tantos assassínios através da fome perpetrados por quem mais come...


e enquanto nos acenam com a escola pedimos um emprego-esmola,
aceitamos o que nos dão e vamos comer-lhes à mão,
honramos as hierarquias e mais as suas tias,
procuramos alcançar o poder nem que tenhamos de nos vender

país de carneirada a quem não sobra nada
senão a granada lançada pra lá da barricada.

O muro dos outros somos nós que o fazemos
pois se o poder que não temos o perdemos
importa a pedra que escolhemos.



Eles Comem Tudo,
por Chullage



"E a finança enche a pança
com o aval da liderança,
despedimentos em vez de aumentos,
são os rumos da mudança,
especuladores, ladrões de ofícios,
grandes salários e benefícios,
bebem o fruto do nosso suor
e depois pedem-nos sacrifícios,
apoderam-se da gerência,
levam empresas à falência,
saem com bónus de milhões
e despedem sem clemência,
e o salário mingúa
pra que o lucro não diminua,
justificam-se com a crise
e os bancos põem-nos na rua,
saem do público prò privado
depois do futuro adjudicado,
vendem serviços a eles próprios
pilhando os cofres do Estado,
combatem o défice na nossa mesa
mas vivem à grande e à francesa,
congelam salários e subsídios
que é pra cortar a despesa
fazem-nos retenção na fonte
enquanto empresas põem-se a monte
no paraíso fiscal pra lá do nosso horizonte,
impõem um empréstimo em troca de soberania
enriquecem com os juros e sufocam a democracia.

Cortam na educação,
exigem mais avaliação,
abandonam o ensino público,
mas os seus filhos lá não estão
Saúde também leva pancada,
comparticipação cortada,
morremos na fila de espera,
eles estão na clínica privada,
falam de paz e democracia,
em igualdade, cidadania
e dão-nos o direito de escolha
prò próximo rosto da tirania
entram tanques e aviões,
chamam paz a ocupações,
deixam rasto de sangue
na riqueza das nações,
trazem servos e minérios
deixam escombros e cemitérios,
enriquecem a reconstruir
os seus velhos impérios
prò mundo levam do Ocidente
os seus restos e excedentes
em nome da ajuda humanitária
destroem a economia da gente
e entram máquinas adentro
expulsam-nos dos nossos alojamentos
(...) empresas de cimento
e fazem grandes empreendimentos
dos seus condomínios fechados
com seguranças e empregados
afastados da miséria
e ódios por eles criados.

Vêm com o grande capital
e abrem o centro comercial
catedral do consumo
e matam o comércio local,
nas terras dos outros enchem carteiras
fazem turismo com peneiras,
refugiam-se na fortaleza
e fecham as suas fronteiras
fazem crescer economias
parasitando minorias,
os últimos a quem reconhecem
liberdades e garantias,
cruzadas evangelistas
holocaustos sionistas
vão conquistando mundo
na caça aos fundamentalistas,
pregam a fé dos belicistas,
queixam-se de guerrilhas e bombistas
pela contagem das vítimas
mas eles é que são os terroristas
impunes a roubar milhões
prendem os pequenos ladrões
que neste país pilhado
digladiam-se por uns tostões,
depõem o inimigo eleito
e põem o amigo do peito
a manejar as marionetas
do colonialismo refeito,
aumentam o orçamento
prà guerra e o policiamento
pra conter o descontentamento
esse é o crime violento
pra se proteger da multidão
que só quer pão e habitação
eles comem tudo que há pra comer
e deixam-nos a estender a mão."



A luta de classes, que, sim, existem, com nomes variáveis, terá sido o motivo por que deixámos o capitalismo chegar a este ponto?
E agora, que continua a haver classes, mas já muito pouca luta, será que o sistema vai cair?

Dêmos-lhe uma ajudinha, coitadinho.
Coitadinhos de nós.

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